CITY Journal – analisys of urban trends, culture, theory, policy, action – VOLUME n° 7
Maio 1997, Londres, Inglaterra, p 6-16
An Introduction to the Information Age.
Manuel Castells
Comentários, adaptação e tradução próprios em 12 /05/2010
Este artigo é uma breve introdução das ideias defendidas pelo sociólogo espanhol Manuel Castells em seu livro em três volumes “A era da Informação”. Castells analisa a sociedade contemporânea no contexto do que ele denomina de uma nova organização social baseada em redes.
Esta introdução foi apresentada na conferência “Information and the city” ocorrida em 1996 na universidade de Oxford.
Castells inicia sua introdução citando as diversas transformações que tem ocorrido no mundo nos últimos 40 anos, apontando entre as mais importantes a difusão e dependência da revolução das tecnologias da informação, a revolução da engenharia genética, o colapso da União Soviética e queda do movimento comunista internacional, o fim da guerra fria, a reestruturação do capitalismo, os movimentos de direito ambientalista e feminista, o processo de globalização e suas forças contrárias.
Com o objetivo de categorizar a Sociedade da Informação, Castells nos aponta algumas funções e processos observados por ele, que se inter-relacionam em forma de rede sem apresentarem hierarquias definidas.
1-Economia Informacional
A economia na sociedade da informação se caracteriza pelo papel do conhecimento no processo produtivo. As fontes de produtividade e competitividade dependem diretamente de conhecimento, informação e da tecnologia utilizada no processo. A abrangência deste modo econômico não se limita apenas as áreas de serviço e manufatura, mas estende-se inclusive à agricultura, possuindo grande potencial para solução de problemas sociais e semelhante capacidade para agravar exclusões sociais.
2- A Economia Global
Segundo Castells existe uma diferenciação no que se refere ao termo economia mundial, existente desde o século XVI com a nova economia global. Esta economia global caracteriza-se por um núcleo de atividades que trabalham em tempo real em escala planetária. Estas atividades dominantes são formadas pelos mercados financeiros , avançados serviços de negócios, inovações tecnológicas, alta tecnologia de manufatura e pelas mídias de comunicação.
A dinâmica baseada em redes e mercados desta nova economia altera o destino de grande parte dos empregos a nível global, mesmo sendo estes de caráter nacional, regional ou local.
Esta penetração da economia global só tornou-se possível após a disponibilização das tecnologias da informação e comunicação ocorridas nas últimas décadas.
Embora tenha alcance planetário, este modelo utiliza-se dessa potencialidade apenas na busca de valiosas adições ao sistema, como mercados e indivíduos, enquanto desconecta mercados e indivíduos não significantes, estendendo seu alcance de forma geograficamente desigual e excluindo a maioria da população mundial.
Segundo Castells, a exclusão causada por este modelo independe de fronteiras nacionais e acaba por criar um quarto mundo (fazendo alusão a categorização de países de primeiro, segundo e terceiro mundo adotada anteriormente) que é formado principalmente por mulheres e crianças.
3-Empresas em rede
No centro desta economia global surge uma nova forma de organização empresarial, a empresa em rede. Esta empresa em rede é formada pelas diversas ramificações, segmentos e setores internos das empresas, assim como com suas ligações com outras empresas e contratados terceirizados. Esta organização forma-se e modifica-se para o desenvolvimento de projetos específicos atuando neste âmbito como uma unidade, dissolvendo-se ao término do projeto ou reagrupando-se em configurações diferentes para o desenvolvimento de outros projetos.
3-A transformação do trabalho e emprego: trabalhadores flexíveis
A era da informação é cheia de mitos sobre o destino do trabalho e emprego.
Passados vinte anos da difusão da tecnologia da informação não se verificou um aumento do número de desempregados, verificando-se na verdade a existência de taxas de desemprego muito maiores em setores, regiões e países menos tecnológicos.
Análises e evidências apontam que o impacto variável da tecnologia em empregos depende de uma grande gama de fatores como estratégias de empresas e políticas de governo.
Castells defende que políticas de governo restritivas e muito ortodoxas podem ter maiores influências nas taxas de desemprego.
Na sociedade da informação algumas mudanças estão ocorrendo nas características dos empregos, as novas tecnologias de comunicação e informação possibilitam a automação, mudança do local de produção para outros países, terceirizações e subcontratações de empresas de menor porte. Estas possibilidades flexibilizam negócios e trabalhos propiciando ainda mais força ao capital em detrimento do trabalho em suas relações.
O desenvolvimento das empresas em rede resulta em redução do número de empregados, subcontratações, criação de redes de trabalho e individualização de negociações contratuais. A redução do número de empregados é compensada pela terceirização, sendo os funcionários contratados apenas para desempenhar tarefas específicas com prazos determinados e sem vínculo com a empresa.
Baseando seu pensamento em estudos de condições de emprego feitos no Vale do Silício, nos EUA, pólo da alta tecnologia de microprocessadores, Castells, afirma que existe uma tendência do trabalho ser executado por tarefas específicas individualizando o emprego e as relações de trabalho, transformando o trabalhador em uma empresa e modificando seu poder de barganha.
Acredito que esta ideia possa ser interessante e reconhecida nos casos de trabalhos de alta tecnologia e com um número limitado de profissionais, mas no caso de trabalhos que necessitem de baixa formação escolar estas mudanças causam maiores desigualdades.
5 Polarização social e exclusão social
Todas estas mudanças no trabalho e na economia enfraquecem as organizações de trabalhadores, os deixando cada vez mais sem representação e desprotegidos.
“Habilidades e educação, em uma constante redefinição destas habilidades, torna-se crítica na valorizando ou desvalorizando pessoas em seu traballho.”
“Skills and education, in a constant redefinition of this skills, become critical valorizing or devaluing people in their work.” p10
O resultado destas tendências é um aumento das desigualdades sociais na maioria das sociedades do mundo com um aumento da concentração de riquezas no topo e aumento da pobreza inclusive em países como os Estados Unidos e Inglaterra.
Estas desigualdades criam bolsões de abandono com várias entradas e nenhuma saída, com condições de fomentar desemprego, doenças, pobreza, problemas familiares, drogas e crimes. Locais estes, que Castells afirma ser necessário esforço heroico para se libertar e que o mesmo os chama de buracos negros do capitalismo informacional.
“A era da informação não tem que ser a era da intensificação da desigualdade, polarização e exclusão social. Mas até o momento é.”
“The information age does not have to be the age of stepped-up inequality, polarization and social exclusion. But for the moment it is.” p10
6. A cultura da real virtualidade
Na esfera cultural podemos ver semelhante padrão de organização em rede, organizado com base nas mídias eletrônicas e nos sistemas de comunicação baseados em redes de computadores.
Diferentemente das mídias de massa difundidas até então os novos sistemas de comunicação possuem a característica de canais de mão dupla e tendem a se tornar mais interativos e inclusivos. A união das várias mídias possíveis e a abrangência de disseminação de diversificadas culturas de forma global possui uma extraordinária capacidade inclusiva.
Enquanto temos concentração de grupos de mídia ao redor do mundo, temos ao mesmo tempo cada vez maior interação entre indivíduos e segmentação de mercados que quebram a uniformidade da audiência de massa.
“Estes processos induzem a formação de o que eu chamo de a cultura da real virtualidade.”
These processes induce the formation of what I call the culture of real virtuality.” p11
“…quando nosso ambiente simbólico é, em geral, estruturado neste inclusivo, flexível e diversificado hipertexto, no qual navegamos todos os dias, a virtualidade deste texto é de fato nossa realidade…”
“…when our simbolic enviromment is, by and large, structure in this inclusive, flexible, diversified hypertext, in which we navigate every day, the virtuality of this text is in fact our reality….” p11
7.Política
A mudança no modo de atuação da mídia de comunicação não afeta apenas a cultura, mas a política também. Em todos os países a mídia tem se tornado espaço essencial da política.
“…sem significante presença no espaço da mídia, atores e ideias são reduzidas a marginalidade política.”
“…without significant presence in the space of media, actors and ideas are reduced to political marginality.” p11
Esta presença na mídia ocorre não apenas em épocas de campanha mas em mensagens do dia-a-dia que as pessoas recebem pela mídia que tem por objetivo construir uma imagem personificada do pensamento político. Esta imagem é caracterizada pela pessoa do político.
A maior arma política segundo Castells é justamente o ataque a esta imagem, normalmente tornando públicos fatos de corrupção ou imagens negativas desta pessoa. Sendo assim, o papel do marketing político é essencial para se ganhar uma campanha política. Este marketing e o custo da vinculação da imagem política na mídia torna a política um negócio extremamente caro que necessita formas de custeio. A possibilidade de acesso ao poder e sua manutenção são utilizadas como formas deste custeio, induzindo à corrupção e realimentando os escândalos políticos.
8-Tempo intemporal
Castells propõe a hipótese de que a nova estrutura social dominante da era da informação está organizada ao redor de novas formas de tempo e espaço, definidas por ele como tempo intemporal e espaços de fluxos.
Embora esta estrutura não seja formada por toda a humanidade e a maioria dos seres humanos não viva esta realidade, seus efeitos são sentidos por todos.
Existe um esforço incansável para aniquilar o tempo, comprimir anos em segundos e em frações de segundo, eliminar o sequenciamento do tempo e a sucessão de coisas. A sucessão das coisas, segundo Leibniz, é o que caracteriza o tempo, então sem coisas e sua ordem sequencial o tempo não mais existiria na sociedade.
Castells exemplifica sua linha de pensamento com alguns fatos contemporâneos como a maneira como os mercados financeiros funcionam, através de transações financeiras feitas em frações de segundo, com as ditas guerras instantâneas com ataques de precisão com duração de poucas horas ou minutos, com a possibilidade de modificação do ciclo de vida através das técnicas de fertilização, que possibilitam que se gerem filhos de pais que podem até já terem falecido ou também através das técnicas de engenharia genética que pesquisam formas de retardar ou até parar o envelhecimento das células, na tentativa de tornar possível a eternização da vida.
Ao mesmo tempo que seleto grupo de indivíduos tem acesso a estas possibilidades, a grande maioria permanece submetida aos relógios biológicos e do tempo.
9. O espaço de fluxos
O conceito de espaço de fluxos foi prop0sto, segundo Castells, para dar sentido a um corpo de observação empírica onde funções dominantes foram cada vez mais operadas com base em trocas entre circuitos eletrônicos interligando sistemas de informação em diferentes localizações. Mercados financeiros, mídia global, avançados serviços de negócios, tecnologia, informação e sistemas de trasnporte rápido. A unidade de operação existe através do “link” entre as diversos espaços territoriais descentralizados.
Castells coloca algumas razões para a adoção do termo espaço para estas condições.
1- Estes circuitos eletrônicos possuem base territorial.
2- Os “links” entre estes são baseados na existência e qualidade de sistemas de comunicação e transporte em uma geografia desigual.
3- O significado de espaço evolui, assim como o de tempo.
“Ao invés de condescendentes declarações futurológicas como o desaparecimento do espaço e o fim das cidades, nos devemos ser capazes de re-conceitualizar novas formas de arranjos espaciais sob o novo paradigma tecnológico.”
“…instead of indulging in futurological statements such as the vanishing of space, and the end of the cities, we should be able to reconceptualize new forms of spatial arrangements under the new technological paradigm.” p13
Castells constrói uma conceitualização de sua teoria baseado em Leibniz e Harold Innis conectando espaço e tempo, ao redor da noção de espaço como coexistência do tempo.
“Espaço é o suporte material do tempo compartilhado nas práticas sociais.”
“…space is the material support of time-sharing social practices.”p13
“O que acontece quando o tempo compartilhado de prática ( seja ele síncrono ou assíncrono) não implica continuidade? As coisas ainda existem juntas, elas compartilham tempo, mas os arranjos materiais que possibilitam esta coexistência são inter-territoriais ou trans-territoriais.”
“What happens when the time -sharing of practices (be it synchronous or asynchronous) does not imply contiguity? Things’ still exist together , they share time, but the material arrangements that allow this coexistence are inter-territorial or transterritorial.”p14
“O espaço de fluxos é a organização material do tempo compartilhado nas práticas sociais que trabalham através dos fluxos.”
“…the space of flows is the material organization of time-sharing social practices that work through flows.” p14
“O espaço de lugares continua a ser o espaço predominante da experiência.”
“The space of places continues to be the predominant space of experience…” p14
Na sociedade em rede, uma fundamental forma de dominação social é a prevalência da lógica do espaço de fluxos sobre o espaço de lugares.
In the network society, a fundamental form of social domination is the prevalence of the logic of the space of flows over the space of places.p14
Mas existe algo mais na nova dinâmica espacial. Além da oposição entre o espaço de fluxos e o espaço de lugares. Como as redes de informação e comunicação se difundem na sociedade, e como as tecnologias são apropriadas por uma variedade de atores sociais, segmentos do espaço de fluxos são penetrados por forças de resistência a dominação, e por expressões de experiência pessoais.
But there is still something else in the new spatial dynamics. Beyond the opposition between the space of flows and the space of places. As information/ communication networks diffuse in society, and as technology is appropriated by a variety of social actors, segments of the space of flows are penetrated by forces of resistance to domination, and by expressions of personal experience. p 14
Castells concorda que o espaço de fluxos ainda permanece como um meio de comunicação elitista, mas acredita que isto está se modificando rapidamente e que estamos apenas no início de um campo de estudo que pode nos levar a entender e mudar a lógica que prevalece no espaço de fluxos.
Conclusão: A sociedade em rede
Uma sociedade que estrutura suas funções dominantes e processos em estruturas de rede, uma sociedade neste caso capitalista, mas de uma forma diferente do capitalismo industrial. Uma sociedade que não foi produzida pela tecnologia da informação mas não teria a mesma força de penetração e as mesmas habilidades para interligar ou desconectar todo a gama de atividades humanas.
As transformações possibilitadas pela sociedade em rede são especialmente significantes em decorrência de sua arquitetura aberta, baseada no dinamismo, flexível e com potencial de expansão sem fim, sem rupturas e com o poder de contornar ou desconectar indesejáveis componente na rede.
A dinâmica das redes empurra a sociedade para além de seus controles e restrições permitindo um constante rearranjo de instituições e organizações humanas.